quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Nossa Igreja Brasileira: o que aconteceu, como chegamos a esse estado?* - Última Parte

Crescimento da igreja desconhecida


A década de 80 seguiu o seu curso, assistiu o triunfo do capitalismo sobre o comunismo, assistiu ao abalo das convicções socialistas. A Igreja caminhava, estávamos isolados, com pouco contato entre os vários segmentos, até que fomos despertados, como diria Kant, de nosso sono dogmático pelas primeiras notícias do censo, no início da década de 90, que nos davam conta do extraordinário crescimento da Igreja evangélica em solo brasileiro. Entretanto, o que crescera era uma com uma face, até então, desconhecida, a não ser por descrições caricaturais ouvidas aqui e ali sem muita credibilidade, um segmento que seria denominado de neopentecostalismo, oriundo das várias divisões do pentecostalismo, liderada por jovens pastores sem formação teológica que, provavelmente, por falta desse lastro, e, por talvez, porque foram precocemente vitimados pelo fenômeno da globalização – como demonstrou Ricardo Gondim, ministérios em franca decadência nos EUA encontraram um novo fôlego em solo brasileiro[7] - ou porque a década de 80 assistiu ao triunfo do capitalismo que culminou com a queda do muro de Berlim, de modo que nada parecia mais natural do que ficar do lado dos vencedores. Optaram pela tal Teologia da Prosperidade que convertia os brasileiros a um Deus que lhes propunha a riqueza sem culpa, e que recebia o seu dinheiro sem escrúpulos.


Mídia e nova teologia

A década de 90 viu esse segmento tomar de assalto a mídia, pela aquisição de redes de TV e de rádio, e atropelar os demais segmentos evangélicos como um trator, cujo condutor não reconhece nada à sua frente. O atropelamento não consistiu apenas no seu crescimento extraordinário, mas talvez, principalmente sobre o segmento que chamaríamos de pentecostal clássico, impondo sua forma de pensar sobre dinheiro, sobre envolvimento em política partidária, sobre metodologia e, até mesmo, sobre premissas teológicas. A esse grupo juntou-se uma nova teologia, a Teologia da Batalha Espiritual, que promoveu o diabo a, na prática, adversário de Deus, alguém sempre pronto a aproveitar as brechas que o fiel lhe abrisse através de sua conduta pecaminosa ou passado não resolvido, seja por não tê-lo renunciado através de um ritual creditado, seja por alguma maldição que, pairando sobre sua família, o deixasse vulnerável à manipulação maligna, por conferir ao adversário “direito legal” sobre ele. Na prática, estava instituída a relativização da cruz e da ressurreição de Cristo. O que se assistiu foi o transpor de todas as fronteiras éticas e teológicas, e o surgimento do sincretismo e do mundanismo evangélicos.[8]

O novo milênio encontra uma igreja em mais crescimento ainda, porém, menos atordoada. Grande parte dos pentecostais clássicos aderiu a muitos dos métodos dos neopentecostais, principalmente, dos, aparentemente, mais bem-sucedidos; boa parte dos que chamaríamos históricos, por seu vínculo mais consistente com a reforma protestante, voltaram a recorrer à Igreja dos EUA, (fogo contra fogo?) em busca de métodos confiáveis de crescimento, pois, independente da configuração, com raríssimas exceções, todos parecem ter se convencido de que a avaliação do ministério se dá pelo crescimento numérico; outra parte dos históricos optou pela radicalização teológica, prenunciando um neofundamentalismo; os adeptos da Teologia da Missão Integral começam a se rearticular.

Que quadro se pode prognosticar? Por ora, creio, nenhum, com segurança, muitas são as possibilidades. Que Deus tenha misericórdia de nós, por amor ao Seu Santo Nome!

Rev. Ariovaldo Ramos


Notas:

* RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira: uma opinião sobre a história recente. São Paulo – SP: Hagnos, 2002

[7] GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era. São Paulo – SP: Abba Press, 1993

[8] M. LENZ CÉSAR, Elben. História da Evangelização do Brasil. Viçosa – MG: Ultimato, 2000, p.150

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Nossa Igreja Brasileira: o que aconteceu, como chegamos a esse estado?* - Parte II

Décadas de 60 e 70, surge nos EUA uma teologia que veio a ser conhecida como “Teologia da Prosperidade”, tendo Kenneth Hagin como o mais famoso de seus formuladores, prega o direito do cristão à plena saúde e riqueza (prosperidade se torna em aval do abençoado por Deus), do ponto de vista capitalista, com direito a toda acumulação e ostentação inerentes ao sistema. Pobreza e enfermidade são subproduto da falta de fé. Além disso, essa teologia sustenta que certos servos de Deus são revestidos de autoridade especial, um “remake” dos apóstolos do Senhor – ungidos de Deus. E que exercitar a fé é praticar a confissão positiva, isto é, “o cristão será próspero segundo aquilo que ele conhece sobre seus direitos, de acordo com a firmeza com que ele acredita neles e pelo modo como os confessa”.6

Década de 80, as três teologias chegam ao Brasil, o atraso se deveu à já citada eras das trevas que se abateu sobre o país, por conta do golpe militar que instituiu a ditadura e o medo inibidor da pesquisa, do contraponto e do debate sobre a nação e que, como acentuou Rubem Alves, no meio protestante ganhou a força de sagrado, de culto a Deus (que Deus nos perdoe!)
Mais que depressa os jovens que, na década de 70 e início da década de 80, participaram de movimentos jovens como a Aliança Bíblica Universitária, Jovens em Cristo, Jovens da Verdade, Vencedores por Cristo, Sociedade dos Estudantes de Teologia Evangélica entre outros, migraram para a Teologia da Missão Integral. Muitos deles vinham de ter esboçado abraçar a Teologia da Libertação, que chegara um pouco antes, eram conservadores, ficaram incomodados com a doutrina da salvação exposta pelos libertacionistas, mas, também, eram latino-americanos, sentiam o cheiro do sangue que vertia, no dizer de Eduardo Galeano, das veias abertas da América Latina. Tão logo encontraram, em sua teologia de origem, eco para a sua latinidade, para o seu clamor por libertação, retornaram. Gente como Jaziel Botelho, Naamã Mendes, entre outros. Era uma época de muitos sonhos, a Igreja brasileira tinha uma liderança jovem, capitaneada por pessoas como Robson Cavalcanti, Dieter Brephol, Manfred Grellert, Caio Fábio, Osmar Ludovico, Valdir Steuernagel, Paul Freston, entre outros que se destacavam; estávamos prontos para dar nossa contribuição à Igreja tupiniquim, já se desenhava uma nova Eclésia.

Continua.

Rev. Ariovaldo Ramos.
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Notas:
*. RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira: uma opinião sobre a história recente. São Paulo-SP: Hagnos, 2002
6. B. PIERATT, Alan. O Evangelho da Prosperidade. São Paulo – SP: Edições Vida.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nossa Igreja Brasileira: o que aconteceu, como chegamos a esse estado?*

Uma pergunta intrigante. Haverá alguém em condições de respondê-la? Acredito que não; o que não nos impede de tentar formular teorias.

Década de 60

Rubem Alves tirava o, chamado, “terceiro mundo” do ostracismo teológico, nos colocava na ordem do dia, dava o pontapé inicial do que viria a ser conhecido como “Teologia da Libertação”. “Foi um dos primeiros a elaborar as implicações da fé bíblica, da perspectiva da luta dos oprimidos por sua emancipação.” [1] Como disse Harvey Cox: “O ‘terceiro mundo’, de pobreza, fome e impotência impostas – e crescente indignação, encontrou uma voz teológica que se houve como um sino. Rubem Alves, um protestante brasileiro...”[2], passávamos de meros depositários para “fazedores” de teologia. A ele se seguiram gente como Gustavo Gutierrez, Juan Luis Segundo, Leonardo Boff, Frei Beto, entre outros. Uma teologia que nasceu em solo protestante e medrou em solo católico, penso que, entre outras as coisas, porque a vanguarda evangélica foi o primeiro foco de resistência à ditadura que foi abafada porque, como disse Rubem Alves, as Igrejas protestantes, como prova de lealdade ao “Estado”, entregaram “os seus próprios filhos ao sacrifício.” [3]

Década de 70

Lausanne, Suíça, (1974) um congresso de evangelização fora convocado por grande parte da liderança tradicional, de então, um congresso para estimular os evangélicos à evangelização e à defesa de seus princípios seculares, mas, graças, mais uma vez, à contribuição de teólogos do “terceiro mundo”, tornou-se o fomentador do que seria conhecido como a Teologia da Missão Integral. “Conforme Chris Sudgen, do Oxford Center for Mission Studies, a apresentação de René em Lausanne 74 mudou o curso da história, e isto simples e basicamente porque este levantou e disse: ‘O contexto no qual se evangeliza é tão importante quanto qualquer coisa, ao se decidir acerca do significado do Evangelho para aquele mesmo contexto. ’[4] Além de Padilla, houve Samuel Escobar e Festo Kivengere, entre outros. Mantendo os princípios bíblico-históricos da teologia protestante, estes pensadores colocaram na pauta teológica, dita ortodoxa, o clamor dos oprimidos, em busca de um Deus que se importasse e de um Evangelho que promovesse libertação. Puseram na ordem do dia o que, embora parecesse óbvio, jazia no berço do esquecimento, isto é, que a “missão da igreja leva em conta a pessoa na sua totalidade, bem como o contexto no qual a pessoa vive. A missão veste a roupa da encarnação. ”[5]

Continua.

Rev. Ariovaldo Ramos.


Notas:

* RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira: uma opinião sobre a história recente. São Paulo-SP: Hagnos, 2002

[1] ALVES, Rubem. Da Esperança. Campinas – SP: Papirus, 1987

[2] ALVES, Rubem. Da Esperança; Trechos do prefácio de Harvey Cox ao livro A Theology of Human Hope (1969). Campinas – SP: Papirus, 1987

[3] Ibidem, p. 29

[4] PADILLA, C. René. Missão Integral; Ensaios sobre o Reino e a Igreja, Valdir R. Steuernagel. São Paulo – SP; FTL-B/Temática, 1992, apresentação, p. 8

[5] – Ibidem – p. 8