domingo, 12 de julho de 2009

Ostracismo Clerical

Na antiga Grécia praticava-se um tipo de desterro político, que não importava em ignomínia, desonra nem confiscação de bens. Este juízo era a condenação ao afastamento, por um período de dez anos, do cidadão cuja presença era considerada perigosa que, por sua grande influência nos negócios públicos e por seu distinto merecimento ou serviços (ou bisbilhotice), se receava que quisesse atentar contra a liberdade pública. Os votos do desterro eram escritos sobre cascas de ostra untadas de cera, daí a origem do termo ostracismo.

Pois bem, no contexto clerical da contemporaneidade faz-se notória a serventia prosaica desse modus operandi nos líderes despóticos ao deparar-se com a grandiosidade de casos de perseguições a laboriosos seminaristas dentro das igrejas evangélicas. Basta, assim, o pajem emitir alguma nota dissonante para passar à sinistra e ser de imediato condenado ao que chamo ostracismo clerical.

É claro que, na maioria dos casos, onde há esse tipo de ocorrência é no segmento chamado de neo-pentecostalismo. Isso em razão das características próprias desses movimentos, os quais muitas vezes são fundados devido à ruptura com uma liderança local legítima, e após isso seguindo-se várias divisões e ramificações conduzidas por “pastores” sem formação teológica, apesar de que, como percebe-se também nas seitas, serem possuidores um certo magnetismo capaz de arrebatar seguidores de outras ramificações e também das conhecidas igrejas históricas.

Esses novos líderes leigos sem lastro e compromisso teológico, movidos por suas aspirações macromaníacas e de sucesso secular a todo custo, abdicam dos princípios elementares da exegese e hermenêutica bíblica em prol de um maior ajuntamento humano em torno de si, oferecendo em suas reuniões um cardápio de práticas religiosas diferenciadas e heterodoxas ao gosto da néscia freguesia.

Nesse tipo segmento não há espaço para a honesta imersão bíblica e nem para a exposição íntegra e singela do Evangelho de Cristo. Portanto os vocacionados que buscam a sua instrumentalização nos reconhecidos seminários teológicos protestantes são deveras tratados como perturbadores do rebanho, isso muito em razão da fobia desses líderes de que ocorra uma divisão em seu séquito, a mesma que causaram com seus primeiros atos insurgentes.

Como seminarista, isso aconteceu comigo e certamente continuará acontecendo com muitos outros. Como, de fato, nada passa despercebido pelo Todo-Poderoso, faço parte dos que, pela ortopraxia, agradecem a Ele por haver sido livre da mão opressora desses que, na verdade, nem crêem na justiça suprema, mas sim, como nas suas próprias vidas vê-se refletindo, numa orfandade niilista.

Marcelo.

domingo, 24 de maio de 2009

Os Cinco Solas da Reforma - Declaração de Cambridge


SOLA SCRIPTURA: A Erosão da Autoridade

Só a Escritura é a regra inerrante da vida da igreja, mas a igreja evangélica atual fez separação entre a Escritura e sua função oficial. Na prática, a igreja é guiada, por vezes demais, pela cultura. Técnicas terapêuticas, estratégias de marketing, e o ritmo do mundo de entretenimento muitas vezes tem mais voz naquilo que a igreja quer, em como funciona, e no que oferece, do que a Palavra de Deus. Os pastores negligenciam a supervisão do culto, que lhes compete, inclusive o conteúdo doutrinário da música. À medida que a autoridade bíblica foi abandonada na prática, que suas verdades se enfraqueceram na consciência cristã, e que suas doutrinas perderam sua proeminência, a igreja foi cada vez mais esvaziada de sua integridade, autoridade moral e discernimento.

Em lugar de adaptar a fé cristã para satisfazer as necessidades sentidas dos consumidores, devemos proclamar a Lei como medida única da justiça verdadeira, e o evangelho como a única proclamação da verdade salvadora. A verdade bíblica é indispensável para a compreensão, o desvelo e a disciplina da igreja.

A Escritura deve nos levar além de nossas necessidades percebidas para nossas necessidades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por meio das imagens sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura massificada. É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para a nossa sociedade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os sermões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensino, não a expressão de opinião ou de idéias da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.

A obra do Espírito Santo na experiência pessoal não pode ser desvinculada da Escritura. O Espírito não fala em formas que independem da Escritura. À parte da Escritura nunca teríamos conhecido a graça de Deus em Cristo. A Palavra bíblica, e não a experiência espiritual, é o teste da verdade.

Tese 1: Sola Scriptura

Reafirmamos a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.

Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência pessoal possa ser veículo de revelação.


SOLO CHRISTUS: A Erosão da Fé Centrada em Cristo

À medida que a fé evangélica se secularizou, seus interesses se confundiram com os da cultura. O resultado é uma perda de valores absolutos, um individualismo permissivo, a substituição da santidade pela integridade, do arrependimento pela recuperação, da verdade pela intuição, da fé pelo sentimento, da providência pelo acaso e da esperança duradoura pela gratificação imediata. Cristo e sua cruz se deslocaram do centro de nossa visão.

Tese 2: Solus Christus

Reafirmamos que nossa salvação é realizada unicamente pela obra mediatória do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por si só são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.

Negamos que o evangelho esteja sendo pregado se a obra substitutiva de Cristo não estiver sendo declarada e a fé em Cristo e sua obra não estiver sendo invocada.

SOLA GRATIA: A Erosão do Evangelho

A Confiança desmerecida na capacidade humana é um produto da natureza humana decaída. Esta falsa confiança enche hoje o mundo evangélico – desde o evangelho da auto-estima até o evangelho da saúde e da prosperidade, desde aqueles que já transformaram o evangelho num produto vendável e os pecadores em consumidores e aqueles que tratam a fé cristã como verdadeira simplesmente porque funciona. Isso faz calar a doutrina da justificação, a despeito dos compromissos oficiais de nossas igrejas.

A graça de Deus em Cristo não só é necessária como é a única causa eficaz da salvação. Confessamos que os seres humanos nascem espiritualmente mortos e nem mesmo são capazes de cooperar com a graça regeneradora.

Tese 3: Sola Gratia

Reafirmamos que na salvação somos resgatados da ira de Deus unicamente pela sua graça. A obra sobrenatural do Espírito Santo é que nos leva a Cristo, soltando-nos de nossa servidão ao pecado e erguendo-nos da morte espiritual à vida espiritual.

Negamos que a salvação seja em qualquer sentido obra humana. Os métodos, técnicas ou estratégias humanas por si só não podem realizar essa transformação. A fé não é produzida pela nossa natureza não-regenerada.


SOLA FIDE: A Erosão do Artigo Primordial

A justificação é somente pela graça, somente por intermédio da fé, somente por causa de Cristo. Este é o artigo pelo qual a igreja se sustenta ou cai. É um artigo muitas vezes ignorado, distorcido, ou por vezes até negado por líderes, estudiosos e pastores que professam ser evangélicos. Embora a natureza humana decaída sempre tenha recuado de professar sua necessidade da justiça imputada de Cristo, a modernidade alimenta as chamas desse descontentamento com o Evangelho bíblico. Já permitimos que esse descontentamento dite a natureza de nosso ministério e o conteúdo de nossa pregação.

Muitas pessoas ligadas ao movimento do crescimento da igreja acreditam que um entendimento sociológico daqueles que vêm assistir aos cultos é tão importante para o êxito do evangelho como o é a verdade bíblica proclamada. Como resultado, as convicções teológicas freqüentemente desaparecem, divorciadas do trabalho do ministério. A orientação publicitária de marketing em muitas igrejas leva isso mais adiante, apegando a distinção entre a Palavra bíblica e o mundo, roubando da cruz de Cristo a sua ofensa e reduzindo a fé cristã aos princípios e métodos que oferecem sucesso às empresas seculares.

Embora possam crer na teologia da cruz, esses movimentos a verdade estão esvaziando-a de seu conteúdo. Não existe evangelho a não ser o da substituição de Cristo em nosso lugar, pela qual Deus lhe imputou o nosso pecado e nos imputou a sua justiça. Por ele Ter levado sobre si a punição de nossa culpa, nós agora andamos na sua graça como aqueles que são para sempre perdoados, aceitos e adotados como filhos de Deus. Não há base para nossa aceitação diante de Deus a não ser na obra salvífica de Cristo; a base não é nosso patriotismo, devoção à igreja, ou probidade moral. O evangelho declara o que Deus fez por nós em Cristo. Não é sobre o que nós podemos fazer para alcançar Deus.

Tese 4: Sola Fide

Reafirmamos que a justificação é somente pela graça somente por intermédio da fé somente por causa de Cristo. Na justificação a retidão de Cristo nos é imputada como o único meio possível de satisfazer a perfeita justiça de Deus.

Negamos que a justificação se baseie em qualquer mérito que em nós possa ser achado, ou com base numa infusão da justiça de Cristo em nós; ou que uma instituição que reivindique ser igreja mas negue ou condene sola fide possa ser reconhecida como igreja legítima.

SOLI DEO GLORIA: A Erosão do Culto Centrado em Deus

Onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde Cristo tenha sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou a fé pervertida, sempre foi por uma mesma razão. Nossos interesses substituíram os de Deus e nós estamos fazendo o trabalho dele a nosso modo. A perda da centralidade de Deus na vida da igreja de hoje é comum e lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica, o ser bom em sentir-nos bem e a fidelidade em ser bem-sucedido. Como resultado, Deus, Cristo e a Bíblia vêm significando muito pouco para nós e têm um peso irrelevante sobre nós.

Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios impérios, popularidade ou êxito.

Tese 5: Soli Deo Gloria

Reafirmamos que, como a salvação é de Deus e realizada por Deus, ela é para a glória de Deus e devemos glorificá-lo sempre. Devemos viver nossa vida inteira perante a face de Deus, sob a autoridade de Deus, e para sua glória somente.

Negamos que possamos apropriadamente glorificar a Deus se nosso culto for confundido com entretenimento, se negligenciarmos ou a Lei ou o Evangelho em nossa pregação, ou se permitirmos que o afeiçoamento próprio, a auto-estima e a auto-realização se tornem opções alternativas ao evangelho.

Fonte: Declaração de Cambridge

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Espinho na Carne e Carne no Espinho

Paulo disse que teve grandes visões e revelações espirituais—foi levado ao Paraíso e ouviu o que ninguém ouve e sabe contar—, e que por causa disso foi-lhe enviado da parte de Deus um mensageiro de Satanás para que o esbofeteasse, a fim de que o apóstolo não se ensoberbecesse com a grandeza das coisas que a ele estavam sendo reveladas.

Pediu a Deus três vezes para ficar livre daquele “espinho na carne”.

O Senhor, todavia, não o removeu, tendo apenas dito a Paulo “a minha Graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.

Que espinho era esse?

Muita gente boa já fez considerações sobre o assunto.

O espinho de Paulo já foi sua conjuntivite crônica, já foi a perseguição dos judaizantes, já foi o ter que trabalhar a fim de sustentar seu ministério, já foi o estilo calamitoso e desassossegado de vida que o acometeu, já foi a sua não aceitação pela Igreja de Jerusalém, já foi muita coisa...

No início da década de setenta, nos Estados Unidos, e depois na década de oitenta, no Brasil, o espinho de Paulo ganhou outro “diagnóstico”.

Li e ouvi pessoas tentando convencer o público do contrário. No auge da Teologia da Prosperidade, com seus líderes anunciando uma era na qual a fé rehma curava tudo e que quem não ficasse curado era porque não cria, o espinho de Paulo deixou de ser associado a qualquer forma de doença ou debilidade física ou financeira.

Paulo não podia mais ficar doente e só passava privações por deliberação própria. Gostava!

Virara o super-homem de Friedrich Nietzsche. Nem o próprio Nietzsche acreditaria que Paulo se tornou o super-homem dos cristãos, superior ao super-homem de Zaratustra.

O fato é que Paulo, agora, não tinha mais permissão para adoecer. Seria falta de fé. Afinal, como poderia ele curar se estava doente?

Num mundo onde o poder é do homem, somente seres absolutamente sãos podem transmitir saúde.
Afinal, o dom não é da Graça, mas uma virtude desenvolvida pelo super-homem.
Assim, o espinho na carne de Paulo deixou de ser qualquer coisa anteriormente relacionada a ele, tornando-se, assim, qualquer coisa, menos uma doença física—psicológica ou afetiva, nem pensar!—, mas não foi identificado como nada objetivo. Apenas se sabia que Paulo tinha um “espinho na carne”, mas não devia ser tão “importante”, pois Deus não quis removê-lo...

Até mesmo a afirmação apostólica de que o espinho tinha finalidades terapêuticas não foi mais levada em consideração. Paulo ensoberbecer? Jamais!—bradam os santos mais santos que Paulo.

E, assim, vão desespinhando a Paulo por uma única razão: Para nós a Graça não basta e o poder não se aperfeiçoa na fraqueza!

Essa “graça” só basta como confeito ao bolo de nossas próprias virtudes.
Essa “nossa graça” não gera humildade e dependência ao
Senhor, mas arrogância e autonomia em relação a Deus.

Esse “poder” só se aperfeiçoa como status atribuído ao sucesso das virtudes da “fé” obstinada e que chega onde quer porque assim determina.

Esse “poder” gera seres malévolos e essa “fé” pode até colocar o individuo onde ele quer, mas não o põe onde Deus deseja.

Para que se entenda o que aconteceu a Paulo não se tem que saber o que aconteceu com ele—mas em sua vida interior.

E para sabermos do que se trata, basta que olhemos para nós mesmos. Boa parte do tempo que se gasta tentando saber informações históricas sobre o “espinho histórico” de Paulo, rouba-nos o tempo da viagem para dentro de nós mesmos, onde o fenômeno se repete, ainda que exteriormente ele tenha outra cara, talvez diferente da de Paulo.

Há três princípios que precisam ser entendidos a fim de que se compreenda acerca do que o apóstolo está falando.

1. O princípio das polaridades:

À toda virtude humana—se assim pudermos definir o que não nasce em nós, mas vem de Deus—corresponde um pólo desvirtuoso.
Assim, é a abundancia do pecado que faz superabundar a Graça.
Ou seja: é porque a mulher da noite escura havia se dado em muitos falsos amores—na vivencia de sua própria carência—, que agora ela ouve o elogio do Senhor dizendo que ela “muito ama”.
Tanto amor!
Mas e o que havia dentro dela?
Os produtos daquela mesma virtude já tinham tido cara de leviandade, promiscuidade e vagabundagem—para os expectadores, como o fariseu dono da casa.
Desse modo, sempre que se vir grandes virtudes pode-se saber que existe o equivalente polar dentro do mesmo ser.
Daí grandes “revelações” se fazerem acompanhar de “mensageiros de Satanás” a fim de equilibrar o bem em nós.
Não
há em nós equilíbrio nem para se viver o bem absoluto.
Nada absoluto pode ser dado a um ser caído.
Corrompe-o. Adoece-o. O faz cair da Graça.
O único absoluto que não se corrompe num mundo caído é o Absoluto do amor de Deus.
Afinal, esse é o mundo caído. E nele muitas vezes é do abismo que somos catapultados aos céus mais elevados na Graça!

2. O principio da corruptibilidade de qualquer poder sem fraqueza:

Todo poder num mundo caído, corrompe—quanto mais todo-poder!
Não apenas o poder político, econômico, intelectual e cultural corrompem e se tornam instrumentos de controle e soberania, mas até mesmo as virtudes do poder ético, da moral, da santidade e da própria sabedoria—quanto mais a revelação!
Por isso é que todos os homens que manifestaram o poder de Deus na Bíblia tiveram que viver em fraqueza.
Poder
de Deus sem fraqueza gera o diabo no ser. Transforma o “Querubim da Guarda” no “Acusador dos Irmãos”.
Para o bem da própria alma o ser tem que conhecer, sem poder realizar tudo o conhece; saber, sem atingir tudo o que discerniu; alcançar, sem poder dizer que chegou lá sozinho.
É assim que tem que ser num mundo caído!

3. O princípio da Graça só opera como Graça produtiva na fraqueza:

Sem que a Graça se manifeste na fraqueza, não é e nem há Graça. Pois, nesse caso, a virtude humana e a gloria, é de quem pensa que conseguiu por conta própria.
Para que a Graça cresça em nós nunca pode haver dúvida acerca de pelo menos duas coisas: a primeira é que “não vem de nós”; e segunda é que “não vem de nós para que ninguém se glorie”.
Então alguém pergunta: Por que?
Ora, digo eu: é que eu sou como eu sou e você é como você é!
Você poderia se imaginar como um ser todo-poderoso e, ainda assim, essencialmente bom?
Logo que algumas pequenas conquistas aparecem no horizonte mais banal—não importa se promoções ou se revelações—e o individuo já começa a mudar.
Chega ao ponto em que a pessoa já fala de si mesma como se fosse uma “terceira pessoa”, um ente diferenciado dele—como se eu só me referisse aos meus gostos como “o pastor Caio gosta disso”—e que passa a ser tratado como o santo do próprio “santo”.
É quando eu sou o santo de mim mesmo!
Poder nas mãos do homem tem que se fazer exercer com espinho na carne.
E Graça na vida humana tem que ser experimentada em fraqueza.
Do
contrário, o ser se converte em diabo.

Assim, aprende-se que é melhor ter revelações e ainda assim ter que se conviver com o mensageiro de Satanás que nos esbofeteia, que ter apenas cogitação de poder humano e de sabedoria humana, sem qualquer espinho na carne!
E pior: sem também ter a satisfação de ouvir Jesus dizer: “A minha Graça te basta, pois o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Não se tem que achar o espinho, ele nos acha!
Não se tem que procurar a fraqueza, ela existe em nós!
Não se tem nem que falar no assunto, ele tem voz própria!

O segredo é aceitar o fato e não deixar de buscar conhecer todos os andares dos céus dos céus, sabendo que não é a minha virtude que me leva tão alto, mas a Graça que usou a minha fraqueza para revelar tanto, a quem antes de tudo já sabe que não tem do que se gloriar.

O espinho na carne de Paulo interessa muito pouco saber qual era. Interessa mesmo é saber que ele tinha que estar lá.


Caio

http://www.caiofabio.com/2009/conteudo.asp?codigo=00175

sábado, 4 de abril de 2009

Nascido Escravo - Erasmo, Lutero e o "Livre Arbítrio"


“Martinho Lutero, ao venerável D. Erasmo de Rotterdam, com os votos de Graça e Paz em Cristo”. É assim que Lutero introduz a sua obra De Servo Arbítrio, A Escravidão da Vontade, resposta à famosa Diatribe sobre o Livre Arbítrio, que Erasmo publicou em 1524.

Desidério Erasmo (c. 1466-1536) e Martinho Lutero (1483-1546) permanecem como dois nomes precursores do espírito moderno, e entre eles há algumas semelhanças. Esses dois gigantes intelectuais europeus protagonizaram no contexto explosivo, destinado a dissolver a unidade do mundo medieval. Havendo passado pela Ordem agostiniana, ambos vieram a rejeitar métodos hermenêuticos da Igreja Romana, bem como muitas de suas superstições e crendices. Ambos ofereceram grande contribuição à disseminação do texto bíblico em sua época. Detentores de enorme capacidade para o debate acadêmico, erudito, e partilhando de talento literário, ambos escreveram acerca do “livre arbítrio”, embora com uma diferença diametral: Erasmo, o humanista, defendendo; e Lutero, o reformador, condenando. Isto marcou uma ruptura definitiva entre os dois homens, que, anteriormente, ofereciam-se mútuo encorajamento. Desde o debate de Leipzig (1519), os caminhos de ambos vinham conduzindo a rumos diferentes.

Publicado inicialmente em 1525, A Escravidão da Vontade1 é um primor de composição polêmica. Nesta obra transparecem com bastante evidência a personalidade e a franqueza dos sentimentos de Lutero. A força lógica e persuasiva de seus argumentos revelam a mente treinada na disciplina da escolástica medieval. O estilo polêmico de Lutero era o da época em que viveu e traduz o vapor existente na atmosfera acadêmica de então. Na obra original (tanto mais do que no sumário publicado em português), há ironias, asperezas, ad hominems e alusões indiretas.

Não obstante, o leitor deve comparar o texto luterano muito mais com o bisturi de um resoluto cirurgião do que com a pena de um clínico em seu receituário. Na estima de Lutero, o tratado erasmiano era uma obra da carne. Contendo uma anamnese mal feita, partia de um princípio falso e oferecia um placebo para uma ferida mortal. Lutero repudia o Diatribe de Erasmo expondo a doutrina bíblica do pecado original. Sem um diagnóstico preciso acerca da enfermidade humana, não há como discernir de maneira apropriada o valor das boas-novas do evangelho da graça de Cristo. Em sua réplica, Lutero procede a um honesto e rigoroso exame das Escrituras Sagradas, evidentemente preterido por Erasmo.

Foi com a compreensão do puro evangelho que se abriu para Lutero a noção do cativeiro radical da vontade. Sem nenhuma dúvida, na doutrina da depravação do homem situa-se a pedra angular da Reforma. No coração da teologia de Lutero e da doutrina da justificação, está a sua compreensão da depravação original e da pecaminosidade do homem – que ele conheceu muito bem, mesmo como um monge asceta na Ordem agostiniana. O reformador está muito bem qualificado para tratar do assunto da impiedade e da depravação.

O que é a verdadeira liberdade? Neste caso, vê-se também que o discurso sobre a condição servil da vontade não visa a outra coisa, se não ao discurso correto sobre a liberdade. Para Lutero, a livre vontade é um termo divino, e não cabe a ninguém, a não ser unicamente à majestade divina. Conceder ao ser humano tal atributo significaria nada menos do que atribuir-lhe a própria divindade, usurpando a glória do Criador. Lutero, assim, compreende que a pergunta pela liberdade da vontade no fundo é a pergunta pelo poder da vontade. Por isso mesmo, a livre vontade é predicado de Deus. É poder essencialmente específico do próprio Deus.

Lutero considerava A Escravidão da Vontade a sua melhor e mais útil publicação. O valor deste tratado é inestimável realmente, e poucos livros há que sejam tão necessários no presente momento. O atual ensino de muitos que se denominam “protestantes” está em maior acordo com os dogmas papistas, ou com as idéias de Erasmo, do que com os princípios dos Reformadores; analisado criticamente, tal ensino está em maior harmonia com os Cânones e Decretos do Concílio de Trento do que com as Confissões de Fé Protestantes e Reformadas.

A Editora FIEL lançou uma nova edição de "Nascido Escravo". Trata-se de uma versão condensada e adaptada, facilitando o acesso ao clássico texto luterano. Oramos sinceramente que o Senhor abençoe o leitor e que este, abraçando com fé o Eleito de Deus, Jesus Cristo, batalhe por manter sua Causa e sua Verdade nestes dias em que muito tem sido perdido. Que o livro seja um meio de edificação e fortalecimento para todos quantos desejam ser instruídos pelos oráculos de Deus!



GLOSSÁRIO:
  1. Diatribe: Crítica acerba; escrito ou discurso violento e injurioso
  2. Ad hominem: Um Argumentum ad hominem (latim, argumento contra a pessoa) é uma falácia, ou erro de raciocínio, identificada quando alguém responde a algum argumento com uma crítica a quem fez o argumento, e não ao argumento em si.
  3. Anamnese: (do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória) é uma entrevista realizada por um profissional da área da saúde com um paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnósticodoença. Em outras palavras, é uma entrevista que busca relembrar todos os fatos que se relacionam com a doença e à pessoa doente. de uma
  4. Placebo : (do latim placere, significando "agradarei") é como se denomina um fármaco ou procedimento inerte, e que apresenta efeitos terapêuticos devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente de que está a ser tratado.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Nossa Igreja Brasileira: o que aconteceu, como chegamos a esse estado?* - Última Parte

Crescimento da igreja desconhecida


A década de 80 seguiu o seu curso, assistiu o triunfo do capitalismo sobre o comunismo, assistiu ao abalo das convicções socialistas. A Igreja caminhava, estávamos isolados, com pouco contato entre os vários segmentos, até que fomos despertados, como diria Kant, de nosso sono dogmático pelas primeiras notícias do censo, no início da década de 90, que nos davam conta do extraordinário crescimento da Igreja evangélica em solo brasileiro. Entretanto, o que crescera era uma com uma face, até então, desconhecida, a não ser por descrições caricaturais ouvidas aqui e ali sem muita credibilidade, um segmento que seria denominado de neopentecostalismo, oriundo das várias divisões do pentecostalismo, liderada por jovens pastores sem formação teológica que, provavelmente, por falta desse lastro, e, por talvez, porque foram precocemente vitimados pelo fenômeno da globalização – como demonstrou Ricardo Gondim, ministérios em franca decadência nos EUA encontraram um novo fôlego em solo brasileiro[7] - ou porque a década de 80 assistiu ao triunfo do capitalismo que culminou com a queda do muro de Berlim, de modo que nada parecia mais natural do que ficar do lado dos vencedores. Optaram pela tal Teologia da Prosperidade que convertia os brasileiros a um Deus que lhes propunha a riqueza sem culpa, e que recebia o seu dinheiro sem escrúpulos.


Mídia e nova teologia

A década de 90 viu esse segmento tomar de assalto a mídia, pela aquisição de redes de TV e de rádio, e atropelar os demais segmentos evangélicos como um trator, cujo condutor não reconhece nada à sua frente. O atropelamento não consistiu apenas no seu crescimento extraordinário, mas talvez, principalmente sobre o segmento que chamaríamos de pentecostal clássico, impondo sua forma de pensar sobre dinheiro, sobre envolvimento em política partidária, sobre metodologia e, até mesmo, sobre premissas teológicas. A esse grupo juntou-se uma nova teologia, a Teologia da Batalha Espiritual, que promoveu o diabo a, na prática, adversário de Deus, alguém sempre pronto a aproveitar as brechas que o fiel lhe abrisse através de sua conduta pecaminosa ou passado não resolvido, seja por não tê-lo renunciado através de um ritual creditado, seja por alguma maldição que, pairando sobre sua família, o deixasse vulnerável à manipulação maligna, por conferir ao adversário “direito legal” sobre ele. Na prática, estava instituída a relativização da cruz e da ressurreição de Cristo. O que se assistiu foi o transpor de todas as fronteiras éticas e teológicas, e o surgimento do sincretismo e do mundanismo evangélicos.[8]

O novo milênio encontra uma igreja em mais crescimento ainda, porém, menos atordoada. Grande parte dos pentecostais clássicos aderiu a muitos dos métodos dos neopentecostais, principalmente, dos, aparentemente, mais bem-sucedidos; boa parte dos que chamaríamos históricos, por seu vínculo mais consistente com a reforma protestante, voltaram a recorrer à Igreja dos EUA, (fogo contra fogo?) em busca de métodos confiáveis de crescimento, pois, independente da configuração, com raríssimas exceções, todos parecem ter se convencido de que a avaliação do ministério se dá pelo crescimento numérico; outra parte dos históricos optou pela radicalização teológica, prenunciando um neofundamentalismo; os adeptos da Teologia da Missão Integral começam a se rearticular.

Que quadro se pode prognosticar? Por ora, creio, nenhum, com segurança, muitas são as possibilidades. Que Deus tenha misericórdia de nós, por amor ao Seu Santo Nome!

Rev. Ariovaldo Ramos


Notas:

* RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira: uma opinião sobre a história recente. São Paulo – SP: Hagnos, 2002

[7] GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era. São Paulo – SP: Abba Press, 1993

[8] M. LENZ CÉSAR, Elben. História da Evangelização do Brasil. Viçosa – MG: Ultimato, 2000, p.150

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Nossa Igreja Brasileira: o que aconteceu, como chegamos a esse estado?* - Parte II

Décadas de 60 e 70, surge nos EUA uma teologia que veio a ser conhecida como “Teologia da Prosperidade”, tendo Kenneth Hagin como o mais famoso de seus formuladores, prega o direito do cristão à plena saúde e riqueza (prosperidade se torna em aval do abençoado por Deus), do ponto de vista capitalista, com direito a toda acumulação e ostentação inerentes ao sistema. Pobreza e enfermidade são subproduto da falta de fé. Além disso, essa teologia sustenta que certos servos de Deus são revestidos de autoridade especial, um “remake” dos apóstolos do Senhor – ungidos de Deus. E que exercitar a fé é praticar a confissão positiva, isto é, “o cristão será próspero segundo aquilo que ele conhece sobre seus direitos, de acordo com a firmeza com que ele acredita neles e pelo modo como os confessa”.6

Década de 80, as três teologias chegam ao Brasil, o atraso se deveu à já citada eras das trevas que se abateu sobre o país, por conta do golpe militar que instituiu a ditadura e o medo inibidor da pesquisa, do contraponto e do debate sobre a nação e que, como acentuou Rubem Alves, no meio protestante ganhou a força de sagrado, de culto a Deus (que Deus nos perdoe!)
Mais que depressa os jovens que, na década de 70 e início da década de 80, participaram de movimentos jovens como a Aliança Bíblica Universitária, Jovens em Cristo, Jovens da Verdade, Vencedores por Cristo, Sociedade dos Estudantes de Teologia Evangélica entre outros, migraram para a Teologia da Missão Integral. Muitos deles vinham de ter esboçado abraçar a Teologia da Libertação, que chegara um pouco antes, eram conservadores, ficaram incomodados com a doutrina da salvação exposta pelos libertacionistas, mas, também, eram latino-americanos, sentiam o cheiro do sangue que vertia, no dizer de Eduardo Galeano, das veias abertas da América Latina. Tão logo encontraram, em sua teologia de origem, eco para a sua latinidade, para o seu clamor por libertação, retornaram. Gente como Jaziel Botelho, Naamã Mendes, entre outros. Era uma época de muitos sonhos, a Igreja brasileira tinha uma liderança jovem, capitaneada por pessoas como Robson Cavalcanti, Dieter Brephol, Manfred Grellert, Caio Fábio, Osmar Ludovico, Valdir Steuernagel, Paul Freston, entre outros que se destacavam; estávamos prontos para dar nossa contribuição à Igreja tupiniquim, já se desenhava uma nova Eclésia.

Continua.

Rev. Ariovaldo Ramos.
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Notas:
*. RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira: uma opinião sobre a história recente. São Paulo-SP: Hagnos, 2002
6. B. PIERATT, Alan. O Evangelho da Prosperidade. São Paulo – SP: Edições Vida.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nossa Igreja Brasileira: o que aconteceu, como chegamos a esse estado?*

Uma pergunta intrigante. Haverá alguém em condições de respondê-la? Acredito que não; o que não nos impede de tentar formular teorias.

Década de 60

Rubem Alves tirava o, chamado, “terceiro mundo” do ostracismo teológico, nos colocava na ordem do dia, dava o pontapé inicial do que viria a ser conhecido como “Teologia da Libertação”. “Foi um dos primeiros a elaborar as implicações da fé bíblica, da perspectiva da luta dos oprimidos por sua emancipação.” [1] Como disse Harvey Cox: “O ‘terceiro mundo’, de pobreza, fome e impotência impostas – e crescente indignação, encontrou uma voz teológica que se houve como um sino. Rubem Alves, um protestante brasileiro...”[2], passávamos de meros depositários para “fazedores” de teologia. A ele se seguiram gente como Gustavo Gutierrez, Juan Luis Segundo, Leonardo Boff, Frei Beto, entre outros. Uma teologia que nasceu em solo protestante e medrou em solo católico, penso que, entre outras as coisas, porque a vanguarda evangélica foi o primeiro foco de resistência à ditadura que foi abafada porque, como disse Rubem Alves, as Igrejas protestantes, como prova de lealdade ao “Estado”, entregaram “os seus próprios filhos ao sacrifício.” [3]

Década de 70

Lausanne, Suíça, (1974) um congresso de evangelização fora convocado por grande parte da liderança tradicional, de então, um congresso para estimular os evangélicos à evangelização e à defesa de seus princípios seculares, mas, graças, mais uma vez, à contribuição de teólogos do “terceiro mundo”, tornou-se o fomentador do que seria conhecido como a Teologia da Missão Integral. “Conforme Chris Sudgen, do Oxford Center for Mission Studies, a apresentação de René em Lausanne 74 mudou o curso da história, e isto simples e basicamente porque este levantou e disse: ‘O contexto no qual se evangeliza é tão importante quanto qualquer coisa, ao se decidir acerca do significado do Evangelho para aquele mesmo contexto. ’[4] Além de Padilla, houve Samuel Escobar e Festo Kivengere, entre outros. Mantendo os princípios bíblico-históricos da teologia protestante, estes pensadores colocaram na pauta teológica, dita ortodoxa, o clamor dos oprimidos, em busca de um Deus que se importasse e de um Evangelho que promovesse libertação. Puseram na ordem do dia o que, embora parecesse óbvio, jazia no berço do esquecimento, isto é, que a “missão da igreja leva em conta a pessoa na sua totalidade, bem como o contexto no qual a pessoa vive. A missão veste a roupa da encarnação. ”[5]

Continua.

Rev. Ariovaldo Ramos.


Notas:

* RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira: uma opinião sobre a história recente. São Paulo-SP: Hagnos, 2002

[1] ALVES, Rubem. Da Esperança. Campinas – SP: Papirus, 1987

[2] ALVES, Rubem. Da Esperança; Trechos do prefácio de Harvey Cox ao livro A Theology of Human Hope (1969). Campinas – SP: Papirus, 1987

[3] Ibidem, p. 29

[4] PADILLA, C. René. Missão Integral; Ensaios sobre o Reino e a Igreja, Valdir R. Steuernagel. São Paulo – SP; FTL-B/Temática, 1992, apresentação, p. 8

[5] – Ibidem – p. 8